Privatizar a infraestrutura precária existente e lucrar com o atraso!

Privatizar a infraestrutura precária existente e lucrar com o atraso!

Postado por Alan Kaká (*) , 25 Agosto 2017 às 12:53 - em: Artigos

Para começar a falar em economia de livre-mercado e privatizações nós temos que primeiro pensar História, Economia e Política Internacional.
 
Esses dias em uma palestra que assisti um professor de economia pós-graduado em Havard (já que a geral gosta de um título de fora) disse que "se eu fosse um lorde inglês eu também iria querer o neoliberalismo".
 
Porque diabos ele disse isso? Ele poderia ter dito que fosse ele um industrial americano ou um "new rich" russo. Ficou no inglês. O que importa para essa expressão é: os países do centro do Capitalismo são países do centro do Capitalismo. Passaram pela acumulação primitiva, mercantilismo, primeira e segunda revolução industrial... A Rússia é outro caso, mas, tardiamente, passou por um processo de acúmulo e revolução industrial.
 
Essas etapas do capitalismo fizeram com que o livre-mercado nesses países tivesse um sentido de concorrência. Mas isso até o capitalismo financeiro. Logo volto a isso.
 
Bom, em uma economia atrasada (do ponto de vista capitalista) como a nossa, não existe livre concorrência. As condições de empreender (financiar planta fabríl, pesquisa, desenvolvimento, composição de preço, logística, etc) são deficitárias. A verdadeira livre concorrência tem por base todos os atores estarem no mesmo patamar de igualdade como afirmou o economista alemão do século XIX, Georg Friedrich List (1789-1846).                       
 
O Brasil, como é sabido, teve sua industrialização tardia e capitaneada por um estadista – no caso Getúlio Vargas. Porque? Porque nossa elite agrária se formou e consolidou em um processo de exploração mercantil do centro (metrópole) para a colônia. Seu interesse na fatia do mercado mundial sempre foi a de ganhar com a exploração dos recursos naturais "in natura" ou com pouco beneficiamento. No caso do açúcar, só havia o engenho aqui porque era impossível do ponto de vista logístico transportar tanta cana in natura para fora para ser beneficiada na Europa. Se fosse possível...
 
Voltamos ao processo de industrialização tardio e estatizado: foi preciso que a máquina estatal agisse para o Brasil tornar-se competitivo. Ainda segundo o economista Fiedrich List, em face dos países desenvolvidos, os mais atrasados não conseguem desenvolver a indústria sem a intervenção do estado, principalmente devido as tarifas protecionistas praticadas pelos países do centro do capitalismo.
 
“Por isso procuraram induzir as nações não industriais do mundo à prática de um comércio internacional fundado no regime de liberdade máxima e livre concorrência. Na realidade, sua doutrina não é a do livre-comércio, como muitos pensam, mas a doutrina do monopólio. Sob a máscara do livrecomércio queriam conquistar o monopólio da indústria para a Inglaterra. Ou alguém acredita que países de economia retrógrada poderiam competir com a economia de modernas fábricas dos ingleses?”, disse o economista em uma entrevista ao Jornal “Nação Soberana” em 1841.
 
Ao contrário do que se apregoa como mantra, o Brasil passou por um processo de industrialização dos mais dinâmicos do mundo. Quando a hoje potência da indústria automobilística, Coreia do Sul, começou sua planta fabríl na década de 70, adivinha onde eles foram buscar inspiração? Não foi na Europa ou nos EUA. Foi aqui!
 
Porque? Pois com todos os equívocos dos governos brasileiros, ainda assim a economia estatal fez com o Brasil um processo revolucionário industrial "nunca antes visto” por aqui.
 
Vale ressaltar algumas coisas: não foi preciso fazer reforma agrária de fato como se fez na Inglaterra, Itália, França... O acordo com a elite agrária era: não vamos mexer com a terra. Isso é importante para o momento em que vivemos!
Formamos uma elite industrial concentrada no sudeste em detrimento de uma elite agrária do mesma região, somadas a uma nova elite agrária também incentivada pelo Estado através da corrida para o Oeste. Essa nova elite agrária produtora das atuais commodities só existe graças ao Estado Brasileiro.
 
Portanto, nossas elites, agrária e industrial nunca tiveram problemas com um estado grande. Ao contrário. Elas são fruto deste estado e o que se estabeleceu na política foi um bipartite entre essas elites e seus representantes no governo.
 
Chegamos ao processo da ditadura civil-militar onde por civil entendesse as elites e os militares são em parte fruto destas mesmas elites e em parte subsidiados pelo pensamento estadunidenses da "América para os americanos". Não há conflito de interesses aí, pois como vimos antes, nossas elites são produto de políticas estatais e tem por interesse a primeira cadeia produtiva.
 
A indústria de ponta, de alta qualidade técnica e investimento tecnológico não floresceu no Brasil. Não houve incentivo estatal para isso, pois os países do centro do capitalismo, em especial os Estados Unidos estavam exportando indústrias da primeira e segunda fase da industrialização, inclusive maquinario de segunda mão.
 
Ao mesmo tempo em que setores estratégicos como a energia e as telecomunicações foram todos implementados pelo Estado Brasileiro, a tecnologia era de fora. Acordos entre o governo brasileiro e oligopólios internacionais garantiram Itaipu, por exemplo. Ah, mas e a Odebrecht e a Camargo Correia que executaram? Isso, executaram. O Brasil precisava de investimento em infraestrutura mínima, mesmo para receber uma indústria de segunda mão.
 
Segundo List, os países que vendem o liberalismo estão na realidade “chutando a escada” que eles mesmos subiram, que é a indústria nascente. Ao alcançar o topo, os mesmos negam aos países periféricos o direito ao desenvolvimento de uma indústria nacional.
 
O que isso tudo tem a ver com as privatizações?
 
Bom, para chegar a essa resposta temos que entender a geopolítica.                       
 
O fim da ditadura civil-militar no Brasil não se deu por causa do povo na rua. Não só. A “Guerra  Fria” estava falida. Era insustentável a manutenção de governos ditatoriais financiados pelas políticas da CIA e o mundo passava por um processo de globalização com o fim da União Sociética. Poxa, mas a ditadura no Brasil caiu antes da URSS. Bom, a Perestroika e a Glasnost consolidaram-se com a queda do Muro de Berlim em 89, ano da eleição do Caçador de Marajás, Fernando Collor de Mello no Brasil, mas a URSS vinha definhando de dentro pra fora há muito.                        
 
Veja, a própria alguma de Collor denotava o tipo de pensamento ideológico que ele carregava consigo: na administração pública do Estado haviam marajás. Isso é reflexo de governos ditatoriais, primeiro com Getúlio e depois com a ditadura civil-militar. Se não há controle social, forma-se uma plutocracia burocrata. Aconteceu isso na URSS, por exemplo. Aconteceu também no Brasil.
Relembrando, os setores de infraestrutura como logística, energia, telecomunicações e setores sociais como a educação (que não era universalizada) e a saúde a partir da constituição de 88 eram praticamente totalmente estatais.                       
 
A chegada de Collor ao governo é a chegada da negação do Estado ao governo. Por paradoxal que seja, ele representava os interesses geopolíticos dos países do centro do capitalismo que haviam adotado o pensamento de escolas político-econômicas neoliberais.
 
Lembremos: às elites brasileiras nunca interessou o desenvolvimento de indústrias de ponta no Brasil e o acordo dessas elites com as internacionais nunca passou pela instalação de infraestrutura particular no Brasil. Se tivesse esse interesse, haveriam feito lá atrás. Então porque privatizar?
A turma de Collor é a turma de Itamar e de FHC por consequência. São todos formados nas escolas neoliberais de uma forma ou de outra, ou ao menos representantes dos interesses.
 
A lógica da economia e geopolítica mundial mudou após a queda anunciada da URSS e estados fortes na periferia do capitalismo - democráticos ou ditatoriais - já não interessavam. Interessava o controle dos setores da infraestrutura estatal. Por quem? Por consórcios do capitalismo financeiro.
 
Em que momento isso acontece? É um processo. Desde a crise do petróleo de 1970 os grandes capitalistas internacionais passaram a "diversificar" investimentos, retirando o aporte de dinheiro da produção e passando para a especulação financeira, ou o rentismo. Aí surge o pensamento de que investir na dívida pública é uma boa. Investir na dívida pública é o famoso "quanto pior melhor".
 
Investir também em controle acionário de infraestruturas de países do chamado terceiro mundo também é uma ótima! Para isso é preciso tirar essa infraestrutura das mãos dos Estados e para tanto é preciso convencer que estes Estados não tem capacidade administrativa. Não era difícil fazê-lo. Estes Estados não tinham capacidade de investimento na melhoria destes serviços, pois, ao exemplo do Estado Brasileiro, não tinham indústrias de ponta que demandassem e financiassem, seja através de investimento direto em parcerias público-privadas, seja através de impostos, tais melhorias.
 
Os serviços estavam e estão sucateados. A administração pública não dá conta de implementar melhorias - e aqui cabe um adendo: não por ineficiência, mas por vontade política. Não é a preocupação. 
 
O mesmo se dá com a reforma agrária que falamos lá atrás. Não é interessante para as elites que se  beneficiam da primeira parte da cadeia produtiva. Chegamos as commodities. Elas foram o "motor da economia" na primeira década do século XXI no Brasil porque o preço delas no mercado internacional estava elevado, mas também porque não somos competitivos em outras áreas. E isso porque não interessa às próprias elites. Elas controlam todo o Estado Brasileiro. O tiro no pé está aí. 
 
Voltando a Fist: “nenhum país deve abrir mão de um projeto de desenvolvimento de médio e longo prazo que vislumbre a industrialização de sua economia. Produzir batatas e trigo para importar camisas e máquinas do estrangeiro nunca pode ser uma alternativa interessante no longo prazo, ainda que esse seja o meio mais fácil do país conseguir essas mercadorias mais sofisticadas no curto prazo”, (Jornal “Nação Soberana”, 1841).
 
Seja por servidão ao centro do capitalismo, seja por imediatismo, seja por essas mesmas elites terem também migrado o investimento dos seus lucros na "diversificação" (leia-se "financeirização"), que não há indústria de ponta e não há modernização de infraestrutura e serviços. Logo, privatizar fica palatável.
 
Mas - sempre tem um mas! - não somos um país com condições de competitividade internacional porque não desenvolvemos industria de ponta, uma vez que nos ancoramos na produção de commodities como “motor da economia”. Portanto, quem investe na privatização são consórcios internacionais do mercado financeiro que tem por único objetivo o rendimento de seus investimentos. Tanto na privatização da infra, quanto na da dívida galopante do Brasil.
 
Se os impostos aqui são considerados altos é por uma política liberal e não o contrário. Não é o Estado que é inchado, é a dívida e o rentismo que vive dela que são grandes demais. Quase 50% da arrecadação brasileira (leia-se impostos) vão para o pagamento da dívida. Não há interesse em auditar essa dívida pois as elites nacionais e internacionais lucram sobre os juros da dívida e não há imposto progressivo no mesmo sentido. Quem financia isso são os pobres e a classe média, enquanto o lucro e as grandes fortunas não pagam imposto. 
 
O latifúndio também não paga sobre o lucro, mas sobre a terra nua. A base de cálculo do imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) é o valor da terra sem qualquer tipo de benfeitoria ou beneficiamento (inclusive plantações), ou seja, é o valor da terra nua. Cabe ao proprietário rural lançar o valor de sua propriedade no ITR, ou seja, ele paga em cima daquilo que declara (!). Segundo o estudo divulgado pelo Ipea, o valor pago pelos donos de terras no Brasil foi de apenas R$ 300 milhões em 2006.
 
Com a crise dos commodities a elite agrária investe não em produção, mas em rentismo. A elite industrial a mesma coisa. Estão migrando investimentos para o mercado financeiro. Já o mercado financeiro mesmo especulativo precisa investir aporte em algo físico. Que tal investir em infraestrutura nova? Dá trabalho e paga imposto. Do imposto eles só querem o lucro da dívida que eles também compram.
 
Então qual a solução? Para eles, o título deste artigo:
 
Privatizar a infraestrutura precária existente e lucrar com o atraso!
 
Entendem porque não dá pra comparar com os países do centro do capital? Lá a indústria de ponta força o investimento estatal e privado em infraestrutura, ciência, tecnologia e serviços. O parque é modernizado conforme a demanda e os Estados dão as condições competitivas necessárias.
 
Entendeu porque o professor formado em Harvard disse que se fosse um lorde inglês também seria neoliberal?
 
Detalhe: esse professor é o Ciro Gomes e não um esquerdista-bolivariano.
 
(*Alan de Farias Brito, o Kaká, é jornalista e trabalha como analista em Social Media. Milita desde os 16 anos em movimentos de juventude e de democratização da comunicação)