Brasília comemora hoje 54 anos.
 
Projetada por Lúcio Costa, desenhada por Oscar Niemeyer e construída por Juscelino Kubitschek a cidade brasileira erguida no coração do Planalto central não foi uma ideia exatamente original.
 
Já na monarquia, o plano era levar a capital ao Centro-Oeste. Em 1823 o patriarca da independência, José Bonifácio de Andrada e Silva apresentou o projeto, visando evitar que o governo ficasse próximo ao litoral com maior risco de ser atacado por corsários ou por invasões estrangeiras em caso de guerra. A mudança para o interior foi prevista já na primeira Constituição republicana, em 1891.
 
Mais de meio século depois de JK inaugurar a urbe em formato de avião, Brasília se tornou a cidade mais brasileira de todas. Lá é comum se ver em bares, shoppings e mesmo nas mesas ao redor do espetinho das praças,  pessoas das mais variadas cidades do país, com seus variados dialetos e sotaques, discutindo sobre o que está acontecendo em seus estados com a intimidade que faz seus interlocutores se sentirem presentes em todo esse grande Brasil. 
 
Símbolo e centro do poder, a cidade também é alvo de críticas país afora pelos comportamentos nem sempre louváveis de ocupantes das nobres cadeiras. E atrás de cada parede fria esconde mistérios que envolvem os bastidores da política que não dorme nunca.
 
A população cresceu, inchando as cidades satélite que as cerca, fazendo aumentar também os demais problemas que afetam as demais metrópoles brasileiras não planejadas, como a criminalidade, que já nos anos 80 inspirava o carioca radicado brasiliense Renato Russo a escrever seu "Faroeste Caboclo", um dos grandes sucessos da banda da capital, a Legião Urbana.
 
A cidade sem esquinas, revela ainda seu lado místico que há anos serve de base a religiosos, videntes e até ufólogos. Coisas que encantam também integrantes do poder que volta e meia pedem ajuda ao sobrenatural para seus planos - sejam coletivos como Brasília ou maquiavélicos como alguns que você já deve ter ouvido falar.
 
Enfim, assim é a cinquentona Brasília. Exótica, bela e atraente, enigmática e assustadora. Gélida sob o calor do cerrado, mas também vibrante. Misteriosa, segue despertando paixões em alguns e rejeição em outros. Concentrando um pouco de tudo, de bom ou não, do que há espalhado no Brasil.
 




 
Por Severino Francisco no Correio Braziliense:
 
– "´Quando morri, um dia abri os olhos e era Brasília. Eu estava sozinha no mundo. Não chorei nenhuma vez em Brasília. Não tinha lugar. — É uma praia sem mar.— Em Brasília não há por onde entrar, nem por onde sair. Todo um lado de frieza humana que eu tenho, encontro em mim aqui em Brasília, e floresce gélido, potente, força gelada da Natureza.` 
 
Quem lê as duas crônicas que Clarice Lispector escreveu sobre Brasília costuma perguntar: “Que droga essa mulher tomou?”. Não tomou nenhuma; foi tomada de assombro pela espacialidade da capital modernista. Ela era lisérgica pela própria natureza e não precisava de aditivos químicos para ter iluminações: “A inspiração não é loucura; é Deus”, escreveu.
 
Se, ao visitar Brasília, Nelson Rodrigues se ateve aos fatos pateticamente triviais, às moças fazendo xixi detrás das moitas nas estradas, ao pó do Planalto — que ele declarou sagrado —, Clarice dirigiu o olhar ao céu, ao mar de ponta-cabeça em movimento silencioso, ao cinema transcendental das nuvens, à luminosidade prateada dos dias, à magnitude das noites brasilianas e ao silêncio visual da cidade. 
 
Ela não faz muitas menções explícitas ao céu, mas ele está implícito em quase tudo que escreveu. Repete, frequentemente, o fato de Brasília ser uma cidade redonda, construída na linha do horizonte, assolada pelo esplendor de uma luz branca. É o espanto em face do espaço aberto que desencadeia as epifanias brasilianas de Clarice: “Aqui eu tenho medo, esse silêncio visual que eu amo.”
 
Leia aqui a íntegra no Correio Braziliense.




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