Poucos querem ser professor; muitos querem advogar Ângelo Arruda (*)

Poucos querem ser professor; muitos querem advogar

Minhas queridas amigas e amigos advogados, juízes, desembargadores, procuradores e promotores de justiça, delegados de polícia especial, defensores públicos, procuradores especiais, assessores jurídicos, enfim. Vocês conquistaram em muito pouco tempo, uma condição salarial invejável, dentro do serviço público geral e com essa condição diferente, vocês precisam nos ajudar (nós professores) a termos os mesmos direitos salariais de vocês. Porque lhes peço isso? Porque não dá para termos uma casta no serviço público brasileiro, formado por todos os diplomados em direito, quando exercem funções cuja remuneração é muitas vezes maior que um professor universitário, por exemplo. Entramos por concurso, temos promoções e tudo igual. Comecei a pensar a escrever esse artigo essa semana, quando estava assistindo a um programa da TV onde a discussão era: poucos brasileiros almejam uma carreira de professor, mas muitos se diplomam em direito e sonham com um concurso. Motivos? Os salários do primeiro, extremamente baixos e os do segundo grupo, especialmente altos, dentre outros tantos motivos, como prestígio social, por exemplo.
 
Segundo a OAB, os advogados em 2014 eram uns 750 mil e mais de 1,5 milhão de bacharéis em mais de 1.500 cursos em todo o país enquanto os professores de todos os níveis somam 2,5 milhões no meio urbano e rural (dados de 2013). O ensino superior em 2013 tinha 367.282 docentes sendo 70% em escolas publicas em 2090 faculdades e 301 faculdades públicas, com 7,3 milhões de alunos dos quais 5,3 milhões em instituições privadas. Os universitários estão distribuídos em 32 mil cursos de graduação, oferecidos por 2,4 mil instituições de ensino superior – 301 públicas e dois mil particulares. As universidades são responsáveis por 53,4% das matrículas, enquanto as faculdades concentram 29,2%.
 
Seus vencimentos são os mais diversos possíveis, apesar de leis determinando piso salarial da categoria. Aqui no Mato Grosso do Sul, um dos Estados que remuneram melhor no país, o professor 20 horas tem piso de R$ 2.363,00 e o de 40 horas piso de R$ 5.092,00 No caso do docente superior privado, essa regra é pior e diferente, pois o regime horista acorda o valor da hora-aula e não há possibilidade de discussão de um piso. Mas no caso do docente das universidades públicas federais, há uma tabela salarial cheia de regras e divisões que começa com R$ 4.459,00 como Professor Assistente e Dedicação Exclusiva durante 40 horas semanais e o topo da carreira, como Professor Titular, não passa de R$ 17 mil mensais.
 
Já os advogados nas empresas privadas tem uma variação que começa com o Advogado Junior em empresa pequena com R$ 3,7 a R$ 5 mil no escritório, o Advogado sênior em empresa pequena com R$ 6,2 a R$ 10 mil e aqueles advogados em bancos variam de R$ 21 a 41 mil.
 
Entretanto o maior salário do país que é pago aos Ministros do STF e do STJ com R$ 39 mil (eu nunca consegui entender essa regra, pois, para mim, o maior salário de uma nação deveria ser de um professor), regula todos os demais salários de todos os poderes legislativo e judiciário em todas as esferas. Esse é ponto de partida desse artigo. São mais de 44 salários-mínimos ou mais de quatro vezes o meu salário ou mais de 35 vezes o salário dos docentes e por ai vai.
 
Essa regra, também indexa os salários do Poder Legislativo estadual e municipal e Câmara de Deputados e o Senado federal. Ou seja, o poder judiciário evita usar o salário-mínimo como indexador de salários, mas aceita que o maior salário do país seja à base de discussão de todos os demais salários do judiciário e do legislativo.
 
Nessa onde de corrupção e de prisões, claro que a profissão de advogado cresce e muito. Nessa onda de PEC 241, com arrocho de salários para todos os lados, sobrou para a educação, especialmente. Porque é o maior contingente de pessoal de todos os poderes e de todas as esferas.
 
Sendo assim, o que está em jogo, não é apenas o futuro da profissão de professor ou de advogados. É o futuro do nosso país. Pois, a continuar com a onda de pessimismo para diplomar docentes, teremos uma nação com 250 milhões de pessoas em breve, o Poder Judiciário lotado de processos e de servidores bem remunerados e as escolas sem professores ou, os que existem, estão já em idade avançada, cansados de sofrer anos após anos, sem prestígio, reconhecimento ou valorização profissional. O futuro tem uma cor acinzentada, nesse caso.
 
O Poder Judiciário do Brasil, segundo diversos sites de análise de conjuntura, é um dos mais caros entre os países do Ocidente. Embora os juízes tenham salários mais altos, o custo total deste poder não pode ser explicado por esse quesito. O impacto nas contas é maior por conta do total de servidores do Judiciário. O Brasil tem a maior relação de servidores da Justiça por cada 100 mil habitantes. Superam, inclusive, países como a Alemanha e a Inglaterra. Estas são apenas algumas das conclusões de um estudo feito pelo cientista político Luciano Da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
 
A maior parte das despesas do Poder Judiciário no Brasil refere-se ao gasto com pessoal: 89% do orçamento. Entre os países europeus, esse percentual é, em média, de 70%. “O Poder Judiciário brasileiro totaliza cerca de 16,5 mil magistrados, o equivalente a cerca de 8,2 juízes por 100 mil habitantes. Trata-se de proporção que não destoa da maioria das nações e que, portanto, dificilmente explica a disparidade observada nas despesas”, diz o estudo. A maior parte do custo é para pagar mais de 412 mil servidores da Justiça, o equivalente a 205 para cada 100 mil habitantes, a maior relação entre os países considerados na pesquisa da UFRGS. Resultado, com grande número de servidores e um alto custo de manutenção, o Brasil tem um dos mais altos custos de decisão judicial: R$ 2,2 mil.
 
Segundo dados do balanço orçamentário do Brasil, a Educação federal gasta com pessoal e encargos 30 bilhões de reais sendo que todas as despesas o gasto é de R$ 94 bi. Segundo sites que acompanham a despesa do nosso país, todos os municípios brasileiros em 2014, gastaram R$ 107 bi sendo R$ 76 bilhões no ensino básico e fundamental e R$ 18 bi na educação infantil. Esses números impressionam quando se compara com outros setores, mas, os baixos salários comparados mostram que a quantidade pesa sobre a qualidade.
 
Destacando a despesa pública como necessária para manter as duas atividades que estamos analisando – a educação e o direito -, sem sombra de dúvidas, são importantes, necessárias e fundamentais para toda a sociedade. Sem educação e direitos, não temos como conviver. Mas, o que estou levantando para discutir são as condições de trabalho. Incluindo a questão salarial e dos honorários. Aliás, antes que eu esqueça: a profissão de advogado tem seus honorários definidos em Lei federal – Lei Nº 8.906, de 04 de JULHO de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma das poucas profissões que tem esse privilégio.
 
Mas podemos discutir as condições de trabalho e local de trabalho. Inevitavelmente, temos de falar das imensas obras de arquitetura mais antigas – como o STF projeto do Oscar Niemeyer ou ainda a sede da PGR, também do Oscar Niemeyer, sem falar dos majestosos edifícios da justiça estadual e federal e de todas as repartições do judiciário e do Ministério Público. Todas bem conservadas, bem mantidas, com materiais de primeira qualidade, com segurança, conforto e habitabilidade, como deve ser todo o prédio público. Entretanto não é isso que vemos nas redes de educação espalhadas pelo nosso país, especialmente os campus das universidades federais, todos, sem exceção, sucateados.
 
Salas de aula sem mínimas condições estão espalhadas de norte a sul em nosso Brasil; faltam equipamentos, laboratórios, máquinas especiais e até a mínima condição de funcionamento. Há casos de escolas ao céu aberto, em locais insalubres. Enfim, é outro quadro, bem diferente do quadro do judiciário. Se formos analisar outros itens como as questões funcionais, aí a coisa fica preta. O docente federal tem uma carreira onde ele entra como Assistente, fica uns anos, faz Mestrado, muda de lugar na tabela, faz Doutorado, muda de lugar e assume o posto final somente com uma prova para professor Titular, que nunca tem nas universidades. Mais de 90% dos docentes federais se aposenta como Professor Associado IV com vencimento não superior a 14 mil reais. Nesses 35 anos de trabalho, tem de pesquisar, escrever artigos, dar e preparar aulas (são 40 horas de ação) e fazer pontos para crescer na carreira. Bianualmente tem uma avaliação. Os membros do Poder Judiciário não são avaliados se se aposentam com o último salário, no caso do STF, de 39 mil mensais.
 
Como docente, estou impressionado com a nossa desvalorização profissional. Se tem cortes no orçamento, a educação é sempre a primeira, porque é a maior despesa; se tem greve para exigir melhores condições, a sociedade fica com dificuldades de entender e de apoiar. Alunos odeiam greve, pois “atrapalha” a sua vida. Fico na expectativa que um juiz ou desembargador leia esse artigo e me ligue dizendo que vai nos ajudar. Ficarei muito feliz.
 
(*Ângelo Marcos Arruda é arquiteto, professor e coordenador do Observatório de Arquitetura e Urbanismo da UFMS, em Campo Grande)
 


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Postado por: Ângelo Arruda (*), 27 Outubro 2016 às 13:20 - em: Falando Nisso


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