Heróis anônimos Wander Medeiros (*)

Heróis anônimos

Quais são suas referências de heróis? Você os conhece pelas revistas em quadrinhos, no cinema ou na televisão? Principalmente, em ano de Olímpiadas no Brasil, você reconhece seus heróis pelos “grandes resultados” ou pelo “esforço das tentativas”?
 
No ranking histórico de participação em Olímpiadas o Brasil ocupa apenas o trigésimo sétimo lugar, atrás do Quénia e apenas uma posição à frente da África do Sul, muito distante de Cuba (18º), e outros países de menor dimensão territorial e populacional (1), e ainda que o resultado da última Olímpiada tenha sido melhor – vigésima segunda posição (2) –, o fato é que nada estimula supormos que teremos muitas oportunidades de torcermos pelos “campeões”, se a única referência que tivermos desses for a “medalha de ouro”.
 
Mas acredito que dá pra ser diferente, que podemos transformar essas Olímpiadas em um momento único de nossas vidas, se eu, você e todos os demais que vão participar ou de algum modo assistir, passarmos a vermos e reconhecermos além das aparências e vitórias, em uma dimensão mais profunda, compreendermos as origens, propósitos e feitos de cada um, considerando os resultados obtidos a partir disso e não como um fim em si mesmo, aprender a torcermos por nossos “heróis anônimos”.
 
Trata-se de adotar uma “fórmula” quase “mágica” de encarar a vida e seus desafios e que serve para ser aplicada em todos os seus aspectos, mas que sem dúvida, é no meio do esporte que pode ser mais facilmente ilustrada, e foi assim que, mesmo sem saber, meu irmão mais novo me ensinou sobre ela.
 
Cada um encontra dentro de si a receita para superar suas perdas, então vê-lo praticando artes marciais após termos perdido nosso pai, me pareceu ter sido a forma que ele encontrou para superar essa fase. Acontece que aquilo tinha tudo para não dar certo, ser só um modismo passageiro e fugaz, ele não tinha altura nem força, nós não tínhamos dinheiro pra manter as mensalidades em dia ou pagar as viagens e mudanças de faixas, ainda assim ele persistia, me contava sorrindo as novas “fórmulas” que aprendia e repetia no fundo de casa horas e horas, assim como as lições que ouvia de seu estimado “Mestre”. Aquilo me fazia muito bem.
 
Acho que passados uns três ou quatro anos do início de suas aulas, foram finalmente participar de um torneio organizado por todas as escolinhas daquela rede de artes marciais, na cidade de Erechim/RS, e disputando com crianças de sua faixa de idade e peso proporcionais, ele ganhou o primeiro lugar, a “medalha de ouro”, porém eu sabia que apenas por ter chegado até ali, ele já era o meu grande “herói”, e até hoje, quando percebo ele triste, ou um pouco abatido e cansado pelas batalhas da vida, tenho como gritar-lhe com orgulho, “que é isso..., você é um campeão nacional mano”.
 
No plano mais recente, durante uma confraternização de amigos, conheço um agente público que compartilha comigo sua angustia, depois de ter relutado por meses o cumprimento de uma ordem de autoridade que afetaria a vida de pessoas marginalizadas pela sociedade, não lhe restou outra saída senão a própria prisão ou o cumprimento da medida, e o que fez “pessoalmente, para evitar qualquer abuso, e tentando dar um mínimo de dignidade e respeito para aquelas pessoas”.
 
Vendo aquilo também me dei conta de que embora o resultado não tenha sido o que ele almejava, ainda assim a frustração dos fins, não apagava a importância de seu esforço, de quanta pressão teve que passar para tentar reverter aquele quadro, até que fosse forçado a proceder contra sua vontade no cumprimento de seu dever legal. Receio que a maioria de nós não agisse da mesma forma, que cedêssemos à zona de conforto em “fazer o que me mandam”, mas não é assim que agem os “heróis anônimos”.
 
Da minha experiência pessoal em algumas vezes que pude estar na direção de alguns projetos institucionais e de classe, também passei a identificar um grupo de pessoas que se esmeram sobremodo na realização das coisas, cumprem de forma abnegada as mais cansativas tarefas, exigindo em contrapartida uma única coisa, o anonimato, quer dizer, trabalham sob a exigência de não terem nenhum reconhecimento público, e quando enxergava a grandeza dos resultados obtidos, podia medir a importância do esforço de cada uma daqueles amigos, ainda que ninguém soubesse, eu sabia que nada teria acontecido se não fosse a contribuição de cada um deles, e eles estão, também em larga medida, no meu panteão pessoal de “heróis anônimos”.
 
Portanto, a qualificação dos nossos “heróis” pode estar muito além da “aparência” e do “resultado”, pois é na leitura dos “propósitos” e do “esforço” despendido durante todo o processo que encontro os elementos essenciais de sua definição como tal, e são essas últimas características que, acredite, verdadeiramente marcam e entram para a história das nossas vidas.
 
Immanuel Kant já se referia a isso quando disse que “uma boa ação não é boa devido ao que dela resulta ou por aquilo que ela realiza (...), mesmo que essa ação não consiga concretizar suas intenções; que apesar de todo o esforço não seja bem sucedida (...), ainda assim continuará a brilhar como uma joia, como algo cujo valor seja inerente” (3).
 
Então me diga dileto amigo que me acompanha até aqui, quais são as suas referências de heróis? Em definitivo lhe afirmo que meu maior herói não esta no “BBB”, ele anda meio cansado, um tanto combalido pelo passar dos anos e as feridas emocionais que carrega das inúmeras batalhas da vida, esta um pouco fora de forma e rabugento, mas ainda vem aqui em casa de vez em quando para ter comigo, e nessas vezes tenho a feliz oportunidade de dar-lhe um abraço e beijo amigo, podendo dizer-lhe “eu te amo mãe”.
 
(*Wander Medeiros A. da Costa é advogado em Dourados, professor da UEMS e procurador de Entidades Públicas do MS)
 


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Postado por: Wander Medeiros (*), 18 Julho 2016 às 12:30 - em: Falando Nisso


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